Brasil perde a mulher que mudou a história da ocupação das Américas
Brasil perde a mulher que mudou a história da ocupação das Américas
Niède Guidon, que morreu nesta quarta-feira (4 de Junho de 2025), encontrou provas de vestígios humanos de mais de 60 mil anos no Piauí, questionando a tese de que os primeiros habitantes do continente vieram pelo Alasca.
Brasil perde a mulher que mudou a história da ocupação das Américas
Até a década de 1970, a teoria de Clóvis, sobre a ocupação humana das Américas, afirmava que os primeiros grupos teriam atravessado o Estreito de Bering, que separa o Alasca da Sibéria, há cerca de 13 mil anos, e se estabelecido na América do Norte, depois descendo para a parte Sul do Continente. Em 1973, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon mudou a história ao encontrar vestígios da presença humana no Piauí datados de até 60 mil anos, podendo chegar a 105 mil anos na Serra da Capivara, que reúne um contundente conjunto de pinturas rupestres.
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Niède morreu nesta quarta-feira (04/06), aos 92 anos, em São Raimundo Nonato, onde morou e lutou ferrenhamente pela preservação de mais de 1300 sítios arqueológicos. Ela se formou em história natural pela Universidade de São Paulo (USP) e obteve doutorado pela Universidade de Paris. Mesmo colegas brasileiros, como Walter Neves, questionaram, por anos, as descobertas de Niède. Mas, em 2010, ele se rendeu aos estudos da arqueóloga e escreveu que estava 99,9% convencido da consistência deles. Ele afirmou, à época: "A felicidade demanda coragem. E, se ela tem um nome, deve ser Niède Guidon."
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A partir das descobertas de Niède, surgiram novas teorias sobre a povoação das Américas. "As descobertas são mais antigas do que as encontradas na América do Norte, através do Estreito de Bering. Com vestígios datados de 49.500 anos e a possibilidade de os primeiros grupos terem vindo há 100 mil anos, Niède acreditava que era possível a passagem direta através do Atlântico, a partir da África, durante as glaciações", afirma a professora de arqueologia Conceição Lage, formada por Niède.
Patrimônio da humanidade
A primeira vez que a arqueóloga ouviu falar da existência de vestígios arqueológicos no interior do Piauí foi em um congresso acadêmico, em 1963. Ela estaria preparando uma expedição arqueológica em 1964, mas, após o golpe militar que ocorreu naquele ano, sendo vítima de acusações que posteriormente se comprovaram falsas, deixou o Brasil e pediu asilo político na França.
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Só em 1973, já reconhecida como uma arqueóloga respeitada, conseguiu reunir apoios de instituições francesas para uma expedição arqueológica a São Raimundo Nonato. Foi nesse ano que encontrou os primeiros vestígios da presença humana, através das pinturas rupestres.
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Cardoso conta que Niède também deixa como legado a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), responsável pelo estudo do acervo natural e cultural do parque. Dentro dessa estrutura há o Museu da Natureza, um espaço dedicado ao clima, que explica o papel das mudanças climáticas na história da vida no planeta por meio dos fósseis.